Meu nome é Julio e gosto muito de fazer poesias cantadas ao som da minha viola.
Um dia desses estava passeando pela rua levando minha viola, quando deparei com um grupo de senhoras e crianças na praça principal da cidade onde moro, Milho-Rei. Elas conversavam e muitas criancinhas brincavam.
Comecei a cantarolar alguns dos versos que fiz quando fui ao circo na cidade vizinha. Era um circo onde todos os artistas faziam parte de uma única família. Pai, mãe, filhos, pequenos e grandes, e até avós. Muito legal! Na cidade, o circo anunciava sua chegada com megafone, falando a todos à hora e os dias das apresentações.
- Senhoras e senhores! Lá vem o circo chegando! Os palhaços, malabaristas, a mulher engole fogo, o cachorrinho que anda na corda bamba estão lhes esperando! Não percam a estreia do Circo do Amor!!!
Então fui à estreia e não era verdade toda a atração anunciada?
Tinha um grande picadeiro, jogo de luzes e tudo mais que um circo de médio porte tem. Observei que era um circo especial, feito de amor, pois todos trabalhavam com muito carinho.
O palhaço era também o domador de leões. A mulher "engole fogo" fazia malabarismos rodopiando os pratos no ar. Os palhaços eram os contorcionistas e ao mesmo tempo faziam acrobacias na cama elástica, junto com um lindo cachorrinho!
Que família legal! A união em família é necessária e sempre tudo dá certo.
E... Eu cantarolava em versos aquela beleza de circo.
De repente começou ajuntar a meninada. E quanto mais eu cantava, mais chegava garotada!
Ao parar de cantar uma menininha falou se eu poderia continuar porque ela queria saber mais da história, pois nunca tinha ido ao circo e estava sonhando como se estivesse lá.
Recomecei minha cantoria, mas, de repente, a menina começou a chorar. Lembrou que não podia continuar a escutar meus versos, pois deveria levar os salgadinhos à dona Álvara, que havia encomendado a sua mãe.
Saiu correndo sem nem dar adeus!
Parei de cantar por um momento, pois aquela menina me fez repensar algumas coisas tão normais para muitos e para outras pessoas não.
Por que será que muitas crianças não têm oportunidade de ir a um circo? Não estou falando do Circo-Show, aquele que tem tudo igualzinho a um espetáculo na televisão. Falo do circo das cidades pequenas. Um circo simples, mas alegre, aquele que muitos pais ainda podem levar seus filhos.
Lembrei-me, de novo, da menina.
Quis saber seu nome perguntando as outras crianças da praça. Elas não sabiam, pois a menina só passava por lá levando e trazendo salgados que sua mãe fazia. Não brincava, nem sorria. Era uma menina, aparentemente, triste.
Isto me comoveu e pedi às crianças que me desculpassem, pois tinha que ir embora.
Voltei a minha casa e continuei pensando na menina que não podia ir ao circo e, por trás disso, outras coisas que nem mesmo eu sabia que poderiam estar acontecendo com ela.
Alguns dias depois, estava indo à casa da minha irmã Luiza, quando passei pela pracinha. E vi lá, de novo, a menina, parada, olhando as outras crianças a brincar. Talvez a minha espera, a espera da história do circo.
Num impulso cheguei perto dela e disse:
-Olá, tudo bem?
A menina me respondeu:
- Sim e o senhor?
- Eu bem. Você mora por aqui?
- Moro distante, naquela estrada que vai para a cachoeira. O senhor conhece a cachoeira?
- Conheço, já estive lá algumas vezes. É muito bonita. E o que você faz? Estuda? Brinca?
- Eu estudo, mas nem sempre dá para ir à escola, pois preciso ajudar a minha mãe que sustenta a casa vendendo salgadinhos.
A menina continuou a falar:
- Mas o que eu gosto mesmo é de livros. Gosto de ler histórias e foi por isso que eu, naquele dia, quis escutar a história do circo que o senhor estava cantando.
Então eu falei:
- Um dia eu, sem pressa, terminarei de cantar a história do circo.
Despedimos-nos e combinamos que na semana seguinte, naquele mesmo dia, nos encontraríamos na praça para que eu pudesse fazê-la feliz.
Uma semana se passou e lá estava eu, a espera da menina, envolta das crianças da praça, as mesmas que brincavam nos brinquedos junto às mamães e vovós que lhes tomavam conta.
Esperava a menina, mas pensando na tristeza que ela me passou. E por que estaria tão pensativo por alguém que nunca havia visto antes?
Assim mesmo fui desfiando meus versos.
As crianças prestavam atenção e sem ninguém esperar chega Maria, uma amiga de Angela, que trazia um recado: ela não poderia sair de casa, pois sua mãe estava doente, de cama, e Angela deveria cuidá-la e fazer os salgadinhos encomendados.
Fiquei penalizado com a situação e resolvi ir até a casa da menina com ajuda de sua amiga Maria.
Chegando lá, vi dona Lúcia, mãe de Angela, de cama e Angela preparando os salgadinhos. Angela ficou muito feliz com a minha presença e me apresentou a sua mãe, dizendo que eu era seu amigo. Imediatamente me ofereci para levá-las ao hospital mais próximo que ficava à uma hora de distância, indo de carro. Ao chegarmos lá dirigimo-nos a recepção onde pedi um médico. Dona Lúcia logo foi levada para a sala de Emergência. Ficamos aguardando no salão de entrada do Hospital. Angela estava muito aflita e triste. Acalmei-a dizendo que ela confiasse em Deus, pois tudo daria certo. Ficamos esperando mais de uma hora. Estávamos calados, mas eu sentia a mão de Angela apertar a minha como se eu a estivesse ajudando a superar aquele momento, até que o médico saiu da sala e nos procurou. Disse que sua mãe iria ficar internada por uns dias, mas nada de grave, nada que ela não conseguisse superar. Seu estado era regular e ela precisava de uns dias para se recuperar da anemia e da fraqueza. Fiquei consternado com a situação e pedi a Dona Lúcia permissão para levar Angela à minha fazenda, enquanto ela se recuperava no Hospital.
Voltamos silenciosos, mas felizes, e, ao chegarmos, Angela foi recebida com muito carinho pela dona Cidinha, a querida senhora que fazia nossa comida todos os dias. Era a melhor das cozinheiras de toda região.
Dona Cidinha levou-a até o banheiro e lhe deu roupa limpa de uma de suas netas que morava conosco na fazenda.
Os dias iam passando e esperávamos ansiosos pela recuperação de dona Lúcia. Todos os dias pela manhã Angela saia comigo para ordenhar as cabras para nosso café matinal. À tardinha sentávamos na varanda, com todos os que viviam lá, e cantarolava a hitória do circo que ela tanto gostava.
Passados dez dias sua mãe teve alta do Hospital. Fomos pegá-la, trazendo até a fazenda. Então, fiz um pedido inesperado para as duas. Convidei-as a morar na fazenda para que ela trabalhasse tomando conta da organização da casa principal, mas, em troca, Angela deveria participar das aulas na escola todos os dias.
A resposta foi: SIM!
Todos nós moradores da fazenda ficamos contentes pela resposta positiva.
Angela passou a fazer parte da minha família.
Hoje, após doze anos, Angela cursa a Faculdade de Medicina da cidade e vai ser Pediatra. Pretende, também, fazer parte de um projeto na cidade Milho-Rei para crianças carentes. Sua mãe vive contente por ter realizado um sonho, ser feliz ao lado de sua filha.
E eu... Bem, continuo a cantar os versos para as novas crianças da praça, as que brincam nos brinquedos junto às mamães e vovós que lhes tomam conta.
Regina Bizarro. Contos de Verão. Ed.Especial 2009 / Br Letras.